domingo, 8 de junho de 2008

Pois é ...

"De todos, de ninguém, meu

Eu queria muito falar dessa onda de corrupção, falta de vergonha na cara e baixaria, para somar a minha indignação à bronca geral. Ao mesmo tempo sei que o pobre leitor, como eu, está sufocado de notícias que evidenciam o que mesmo os mais condescendentes e crédulos relutavam em admitir; o pobre leitor não sabe o que fazer e já está meio anestesiado. Que fazer?Algum partidário do governo estadual vai lembrar, como atenuante, que no governo federal não faz muito rolou patifaria semelhante, se não igual ou pior. Alguém da oposição local vai afirmar que o abismo maior é aqui, porque as nossas tradições, porque a nossa história, porque a nossa honra etc. Um terceiro vai matizar a conversa lembrando que aqui é a velha corrupção, das elites costumeiras, ao passo que em Brasília foi a corrupção nova, de gente recém-chegada ao pote. O pior para mim, cidadão de classe média confortável, é que tendo a concordar com os três, sem achar medida suficiente para demarcar entre os casos o mais grave.Explicações? Eu gostaria de ultrapassar o cinismo semicrítico, que apenas registra o fato novo na inacabável contabilidade dos feitos da elite brasileira (a gaúcha incluída, assim como a sindical), que toma como particulares as coisas públicas, tanto quanto ir além do desacorçôo moralista, que vê apocalipse a cada nova denúncia e no fundo espera um salvador da pátria, bravateiro como costuma ser.Para enxergar por cima da onda, vale retomar certos clássicos da interpretação do país: Sérgio Buarque de Holanda, em seu setentão Raízes do Brasil, já diagnosticava a relutância das elites em conceber e praticar a Lei como algo impessoal e universal; Raymundo Faoro, por sinal nativo deste Estado, em seu cinqüentão Os Donos do Poder, mostra a tendência secular das elites brasileiras em converter o mando em fonte de patrimônio pessoal, descartada a idéia de exercício de poder como representação do coletivo. Contra essas forças, que são mais políticas do que morais, meu caro leitor, meu irmão, meu semelhante, não há remédio imediato, nem óbvio; só mesmo o paciente enfrentamento dos corruptos, dos patifes, onde der, na praça pública e no voto, no texto e na alma.
LUÍS AUGUSTO FISCHER Escritor e professor de literatura da UFRGS."

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