Ela pulou da cama num movimento rápido. Silenciosamente enfiou o blusão grosso de lã, raspando a pele nua e delicada. Calçou as botas e foi em direção a escada. Não virou para olhar àquele que deixava emaranhado entre os lençóis.
A cada passo um pensamento: volta pra cama, segue adiante, volta pra cama, segue adiante...
A casa dormia. Todos, enroscados ou não em outro corpo, sonhavam suas intimidades e mistérios. Ouvia a respiração ritmada como canção leve. E ela sonhava acordada com o que antecipadamente previa. A expectativa e a excitação tomando conta do seu corpo. Tudo pulsava.
E assim de rompante, para aumentar a coragem, abriu as portas duplas da grande sala e deixou o vento da madrugada beijar sua face e dançar seus longos cabelos.
Lá fora o amanhecer iniciava. O vento, o frio e a neblina enfeitiçavam o seu corpo. Um chamado urgente sibilava os sons da mata logo ali. Um choro, um lamento. Um ir e um ficar, um risco e um prazer. Tudo misturado oxigenava a sua mente e seu corpo. Magia e feitiço. Sempre seria assim quando o assunto envolvia ele.
Seguiu adiante. O coração orientando o corpo, norteando a alma. Precisava seguir. Sabia que não tinha mais volta.
Adentrou o estábulo, o cheiro forte de madeira e cavalos entrando em seus poros. E com agilidade montou no cavalo amado. O bichano que era mais que um companheiro,cúmplice dos intermináveis momentos deles. Só deles. O segredo compartilhado, os gemidos ouvidos, as conversas e risadas, as trocas de olhares e de sensações ali expostas, nuas e cruas sem disfarces.
Virou em direção à mata cerrada e quanto mais galopava mais firme se sentia. Este era seu destino, o seu momento. O que, com paciência, aguardou por um longo tempo.
Enquanto seguia pela trilha e irrompia a mata o cenário foi mudando e seu estado de espírito também. Estava em seu elemento. Amava aquela parte da floresta intocada. Ali vibrava as histórias não contadas.
Apeou.
De longe ouviu o piar de uma coruja. Prenúncio de que alguém se mexia entre as folhas.A sua espera.
Ela e o cavalo esticaram o corpo em posição de alerta. Esfregou o pescoço do animal com o nariz disfarçando o nervosismo e o desejo por aquele homem que chegava. O cavalo resfolegou e sacudiu as crinas, agitado em sintonia com o que sentia sua dona. Ela ouvia o coração martelando nos ouvidos, as pernas trêmulas, um filete de suor escorria pela suas costas sentindo as próximas horas de amor. O tempo parou, na escuridão e no silêncio. Era sempre assim quando ele estava por perto. Magnetizava o ambiente. Magia e feitiço. Tensão e tesão latente no ar. Somente ouvia o que emanava daquele ser.
Ouviu o baque seco dos passos pisando as folhas em sua direção. Passos determinados. Transmitiam urgência em encurtar a distância e a saudade. Imaginou àquelas longas pernas se movimentando, lembrando como se enroscavam nas suas... O cheiro másculo cada vez mais intenso daquela carne tão familiar e desejada, maculando a sua mata intocada.
Não virou, não precisava. Sabia o que viria a seguir.
Curto circuito no corpo, arrepio antecipado. Ele puxou seus cabelos e mordeu a sua nuca, o corpo grudado nas suas costas, moldado no seu. Traduzindo naquele ato o quanto ela era bem vinda e desejada. Ela não duvidava disso e de mais nada. Tudo era certeza, nada era jogo.
Virou lentamente e sem sair do abraço, perdendo-se nele, aconchegou-se mais ainda naquele corpo sólido e grande, ciente de que era só dela. Ele pressionou mais e ela gemeu de prazer. Ficaram assim, abraçados, quietos e tranqüilos. Prontos pra seguir adiante.
Ela devagar passou os dedos entre aqueles cabelos dourados e se perdeu naqueles olhos de céu.
Não falaram, não havia necessidade. Nada precisava ser dito.
Estavam em casa.