quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Rodrigo. Para sempre presente.

Há 42 anos você nascia.
Faz 8 anos que o início da tua viagem, pra longe da tua família, começou. Quando comprou a passagem era só de ida. Você já sabia que era um caminho sem volta. Lembro nitidamente o último olhar antes de entrar no elevador. Não quiseste despedidas no aeroporto, quando foi morar em Recife.

Quando recordo o último verão que fui pra Recife, ironicamente para comemorar a tua vida que recomeçou após a quimio, penso no teu olhar longe, vago (ou resignado?), uma calma ali acontecendo enquanto olhava  para o mar numa certa manhã  em que fui ao teu encontro, na praia, enquanto tomavas chimarrão. Lembro das nossas conversas, dos teus passeios com a Vic, das risadas roucas, da discussão que tivemos numa certa noite porque não queria que te entregasse.
Aquele último fevereiro foi memorável de uma forma preciosa, regada a esperança que virou pó nos meses seguintes.
Talvez eu já soubesse, no mais íntimo de mim, que você pressentia um não futuro ali acontecendo.

Mais alguns meses de luta, esperanças em vão a espera daquilo que sabíamos que era inevitável, mas não queríamos acreditar. Eras tão novo, tão cheio de vida, tão bonito, pura adrenalina correndo nas tuas veias como os tubos das ondas que surfava.

Então veio a catástrofe.

Numa segunda feira te buscaram, quem te convidou para o passeio eu ainda não descobri, quem pegou na tua mão e atravessou contigo esta estrada desconhecida também não sei.

Noite chuvosa, dia perturbador, agonia no peito, telefonema triste, notícia trágica, aeroporto na madrugada com destino ao nordeste, mas não para passear. Era com roteiro traçado para a burocracia do translado do seu corpo para descansar em nossas terras gaúchas. Último desejo. Estado de choque composto de pesar, saudade, perplexidade e dor...
Encontro inevitável com o começo de uma nova fase das nossas vidas onde eu permaneço e você se foi, para sempre.

Você sempre soube que demoro a me adaptar as mudanças no meu calendário anual da minha inexplicável vida, mas decerto estava, em algum lugar, rindo. Aquele teu riso debochado, satânico, recheado de humor inteligente que expunha quando queria implicar comigo, quando aprontava as tuas de irmão mais velho.

Ninguém me avisou, foi tudo tão rápido. Não estava preparada, mesmo que meses antes já havia sinais de que a sua partida era fato consumado. Primeiro veio a dor quase física, negação, logo em seguida a raiva. Afinal você havia me abandonado e esta partida era definitiva! Sensação de desamparo.
Era uma nova vida, sem tu. Briguei com o teu imaginário por meses a fio. Necessitava destilar o veneno.

Dentro dos meus ilusórios planos futurísticos, uma das minhas idéias concretas era nós envelhecendo juntos e havia nesta imagem composta um certo conforto doce de que apesar de cada um viver a sua vida, estarmos irremediavelmente unidos pelos vínculos de cumplicidade, travessuras, passagens e momentos que nos fazia irmãos nesta caminhada.

Então você me deixou e eu fiquei aqui, sem respirar num primeiro instante e o vazio se instalou. Um vazio silencioso, daqueles silêncios tensos que falam, que pesam, que tomam forma.

Foi difícil os primeiros dias, translado, corpo, retorno, dor, tristeza, equilíbrio para segurar a onda familiar que te confesso, muitas vezes não tive. Amigos foram essenciais nestas horas, sempre ali. Superação? Nem sei se superei, só sei que fui sobrevivendo.

Então juntei os retalhos que sobraram e recomecei. Por hábito de cair e levantar, por resiliência, pela Vic, pela mãe, sei lá.

A saudade é tão doída no início que a gente acha que não vai suportar e quando o tempo vai passando e ela vai aumentando, esmagando, sufocando, surge o milagre vestido de resignação.Começamos a nos acostumar com a “bichinha” e ela se torna uma nova companheira de jornada, espaçosa e possessiva. E isto não nos impede de termos dores bipolares, em determinados dias. Vivemos na gangorra dos sentimentos.

O tempo passou e no começo receava que fosse esquecer a voz, a risada, as expressões. Pura ilusão porque viemos da mesma carne e olhar para mim e pra nossa família em determinados situações remete direto ao teu jeito. Está impresso no coração, na alma. Ferida exposta.

Lembro de ti todos os dias, sem exagero.Quando sinto o cheiro do mar entro em sintonia fina com a tua lembrança mais forte.


A alegria já não é mais completa quando acontece algo positivo, o céu nunca mais fica azul de brigadeiro. Tem sempre uma sensação de desbotado no ar por mais feliz que esteja.

Em certos instantes a tua presença é forte e quando quero te contar algo que aconteceu, me dou conta de que não estás mais aqui. Aí dói, meu véio. Ah dói... E a tua falta se faz mais pungente.

Se anos antes falassem sobre isto, na acreditaria no que aconteceu nas nossas vidas.

Mas o tempo que vivemos juntos foram fundamentais para compreender, com uma certeza espantosa, que o caminho não terminou e a nossa história ainda está sendo construída e que o nosso reencontro vai acontecer.

Sei que a missão das pessoas tem tempo estipulado e que quando ele expira, elas se vão e passam a viver dentro do nosso coração.

Tu permanece aqui junto de mim e no plano que está, olha e zela por nós, participando e torcendo pela nossa felicidade e realização.

Acredito nisto pra seguir em frente. Me agarro nesta idéia.

Sinto quando está perto de mim, a tua presença é quase palpável, por mais louco que pareça.

Não existe um adeus, apenas um até logo

Beijo mano da tua Caro.
Te amo. A toda a hora. Sempre.

PS* este texto está  aqui no blog desde 2008, mas hoje reformulei algumas partes.

12 comentários:

Anônimo disse...

menina...sei que em certos momentos é complicado,mas ,acredito e sempre vou acreditar no re-encontro...e isso que nos move,que isto é carne...temos nossos sentimentos terrenos,mas sei que existe algo mais e sim o encontro novamente..
Beijos

Dr. do absurdo disse...

Lidar com perdas e saudades é tão difícil né?

O que conforta são as memórias que ficam, os bons tempos em que se viveram e esperança ainda que transparente de um reencontro.

Beijos

Babi Mello disse...

Carol que lindo a sua homenagem, essa doença é uma p... m... sei o que é perder alguém para ela. É muito triste.
E saudade é o sentimento mais lindo e mais doido que existe.
Gostei muito, me fez refletir.
bj!

Cris Medeiros disse...

Linda homenagem...

Beijocas

Valéria Martins disse...

Ui! Que tristeza... Seu irmão, né?

Bem, se ele teve uma vida plena e feliz até então, valeu. Temos que pensar assim. E lembrar sempre dos momentos alegres, os grandes momentos. As tristezas, deixa pra lá.

Beijos, querida!

Unknown disse...

Carol amiga,

Seu texto é comovente, emocionante, triste e lindo, tudo ao mesmo tempo. Uma bela homenagem ao seu irmão. Não posso nem imaginar o como deve ser para vocês essa perda, mas continue forte como você é, ele está feliz por ti e siga em frente. Fica até difícil de dizer algo, mas estou por perto caso necessite um ombro amigo. Beijos meus carinhosos!!!!

Heloísa Sérvulo da Cunha disse...

Carolina,
Que história real mais triste.
Derramei lágrimas, sentindo sua dor.
Beijos.

© Sara Marques disse...

Ai Carol ...que texto lindo!!!
Perdi minha mãe aos 14 anos, mesmo passado mais de 20 anos, ela se faz presente em vários momentos da minha Vida.
"Saudade é a dor que fica..."
Bjs querida e um excelente fds.

Dalva Nascimento disse...

Carol,

como é difícil viver esses momentos de perdas... é uma dor que só quem já sentiu pode compreender. Mas os bons momentos vividos não serão jamais esquecidos. Linda postagem, escrita com o coração dolorido...

Bjs.

Denise Egito disse...

Carol, que bonito texto. Seja lá em que plano espiritual está irmão está, sentirá essa energia boa que emana de você, esse carinho, esse amor. Difícil desapegar, mas quem somos nós pra tentar entender os desígnos de Deus.
São Paulo uma vez falou: "A sabedoria do mundo é loucura diante de Deus" e ainda: "Deus escolheu as coisa loucas do mundo para envergonhar os sábios".
Fique com Deus e em PAZ

Sonia disse...

Essa é a pior dor que um ser humano pode passar, na minha opinião.
Não lido muito bem com esse tipo de perda e perdi muitas pessoas amadas em 2009.
Nem palavras tenho para comentar essa sua saudade.
Amiga, a minha vida anda uma correria só!Passei aqui para deixar uma beijoca e agradecer a sua presença no meu blog.
Bjssss...

Unknown disse...

Amiga, escrevo agora com os olhos marejados após ler o teu texto...Quem te conhece, convive contigo no dia a dia, sabe a mulher forte, decidida e divertida que tu é, mas com uma perda assim é dificil se manter intocável né?
Bem, o negócio é, como tu falaste, tocar a vida, por que de outra forma o teu mano vai estar sempre contigo, sem dúvida! Força amiga!

Beijos