domingo, 10 de agosto de 2008

Pai.

Durante anos a sua figura colei em pedacinhos para montar uma história em quadrinhos feita de imagens, momentos nossos, visitas e aventuras de finais de semana, falas e episódios narrados pelos outros
Era uma vida tão rica de fatos: jornalista, publicitário, guerrilheiro, exilado, comunista, subversivo, utópico, idealista, carismático, QI acima da média ( como a minha vó adorava contar toda orgulhosa!), intelectual, ateu, descrente em algo maior, temperamental, popular. Um homem do seu tempo, anos 60. Cachimbo sempre na boca, cheiro que até hoje me transporta para outros lugares, só nossos.

Com o passar do tempo comecei a perceber outros matizes desta figura, umas cores não tão brilhosas e mesmo assim um coração ótimo, mas uma alma por vezes egoísta, pertubada e muito individualista. Neste período começou o meu abandono, ali resolvi ME exilar, tentativa de retirada estratégica voluntário. Me retirava da sua presença, às vezes dava certo, outras não.

Os anos passaram para nós e criou-se o abismo. Já não dava mais pra curtir relação pai e filha, agora tentávamos a amizade imposta pela lealdade dos sentimentos, do mesmo sangue, pensamentos, às vezes,parecidos e personalidades idênticas. E durante um bom tempo deu certo esta receita. Algo nos afastava e nos unia entre uma quebrada de esquina e outra. Mas já não tinha mais intensidade ou cuidado necessário, era um vai ou racha, então em alguns momentos brincamos de não existir nas nossas vidas. Era um faz de conta bom que serenava as nossas diferenças. A gente já não entendia quem estava abandonando quem, mas o movimento estava acontecendo. E nos agarrávamos na amizade que começou a crescer. Sem laços, nem nós, somente a vontade de um querer mais forte.

Entre idas e vindas houve momentos importantes que precisávamos unir a família e numa destas situações a corda, já frágil, arrebentou e me determinei a seguir o exílio desta vez mais longo e certo de que seria para sempre. E foi.
Neste rompimento houve palavras duras e conclusões pesadas. Rompi com a relação, rompi com você. O engraçado é que 'esqueci' desta última conversa, a minha mãe é que me fez lembrar deste diálogo a alguns anos. Bloquiei. Simplesmente subornei o meu coração e deletei da minha razão este último capítulo. Último sim, pois a partir daí fez inverno na nossa relação e durante sete anos não houve contato. Eu sei que tentaste algumas vezes, foram flores, bilhetes, recados, cartas, mas o meu orgulho (duro e bobo) não permitia avanços da sua parte.

Nosso último contato aconteceria no Dia dos Pais de 2000 quando combinamos um encontro eu, você e sua neta. Seria fantástico, as três gerações unidas, só faltava pra fechar o círculo da irmandade o Rodrigo, mas ele morava em Recife na época. Mas foi ele que arquitetou este (re)encontro. Você super feliz e eu receosa dessa retomada, mas satisfeita. Ciente de um recomeço ali exposto num tempo de mais maturidade de ambos os lados.
Infelizmente não aconteceu, você resolveu abandonar os palcos da vida na quinta feira ( 9 de agosto) antes do dia dos pais. Como sempre fazendo suas espetaculares entradas e saídas, só que dessa vez pra sempre. Que ironia.
Foste embora cedo, novo, mas viveste intensamente. Não fazia nada pela metade, era tudo ou nada.
Hoje só me resta agradecer por ter contribuído pra ser o que sou, sempre em contrução, mas sem vírgulas nem reticências.
Parabéns, pelo seu dia, aonde você estiver. Talvez aqui do meu lado...

3 comentários:

ale disse...

Belo texto, amiga. Feliz dia dos pais.

Valéria Martins disse...

Nossa, Carolina. Que história... É a sua história, certo?
Eu tive pai por pouco tempo, ele morreu quando eu tinha 17 anos, mas nossa relação sempre foi ótima. Não era muito presente no dia a dia - ele e minha mãe eram separados - mas era presente no sentido de ser pai: era provedor, carinhoso, fazia questão de estar comigo aos domingos.
Acho que devemos procurar resolver logo nossos desafetos, seja com parentes, seja com amigos, para não termos essas pendências.
Espero que esteja em paz com tudo isso, na medida do possível!...
Beijo, com Deus

Carolina disse...

Este é um parágrafo da minha história sim, apenas uma parte, nas demais éramos iguais as outras com tudo o que implica esta palavrinha: família.
Meu pai me deixou de herança grandes momentos, muita cultura,muitas coisas que contribuíram pra ser o que sou, mas até o fim, na sua partida, ele me deixou lições, entre elas, talvez esta muito importante de que a vida é pra ser vivida agora. Não tem ensaio, o show é agora. Portanto faça bem feito hoje, amanhã talvez não exista possibilidade, não nesta morada.
Aprendi que as escolhas são com amor ou com dor!
Hoje, com certeza, estou em paz!
Fica com Deus tbém. Que ele te guarde na palma da mão.
bjo